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"Depois de marchar por sete dias através das matas, quem
vai a Bauci não percebe que já chegou. As finas andas que se
elevam do solo a grande distância uma da outra e que se perdem
acima das nuvens sustentam a cidade. Sobe-se por escadas.
Os habitantes raramente são vistos em terra: têm todo o necessário
lá em cima e preferem não descer. Nenhuma parte da cidade toca o
solo exceto as longas pernas de flamingo nas quais ela se apóia, e,
nos dias luminosos, uma sombra diáfana e angulosa que se reflete
na folhagem.
Há três hipóteses a respeito dos habitantes de Bauci: que odeiam a terra; que
a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era
antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se
cansam de examiná-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga,
contemplando fascinados a própria ausência."
vai a Bauci não percebe que já chegou. As finas andas que se
elevam do solo a grande distância uma da outra e que se perdem
acima das nuvens sustentam a cidade. Sobe-se por escadas.
Os habitantes raramente são vistos em terra: têm todo o necessário
lá em cima e preferem não descer. Nenhuma parte da cidade toca o
solo exceto as longas pernas de flamingo nas quais ela se apóia, e,
nos dias luminosos, uma sombra diáfana e angulosa que se reflete
na folhagem.
Há três hipóteses a respeito dos habitantes de Bauci: que odeiam a terra; que
a respeitam a ponto de evitar qualquer contato; que a amam da forma que era
antes de existirem e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se
cansam de examiná-la, folha por folha, pedra por pedra, formiga por formiga,
contemplando fascinados a própria ausência."
1 Comentários:
"Vista assim de baixo, mais parece o chão no céu!", exclamou - fascinado pela própria descoberta - o desbravador que fez essas 3 hipóteses sobre Bauci. Os habitantes da cidade no entanto riram da ingenuidade do viajante. Eles sabiam que o observador estava perto da resposta, mas sabiam também que os humanos, seus irmãos, não iriam mudar de idéia a respeito deles. São demasiadamente seguros de si para fazerem isso... Portanto, disfarçam suas certezas em hipóteses. É este o trabalho humano. Ao observador situado na floresta, os habitantes de Bauci parecem inalcançáveis. Mas não o são. Apenas desenvolveram essa capacidade humana a tal ponto que parecem ter-se elevado do solo - flutuam? Não, continuam diariamente frequentando a terra. Não contemplam a própria ausência. Contemplam apenas a ausência. Não reclamam nenhuma propriedade sobre ela. (Aliás, a propriedade e a certeza são irmãos gêmeas). Mas como explicar isso ao observador que os contempla olhando pra cima? Impossível. Já desistiram há muito. Aos habitantes de Bauci interessa apenas encontrar esta distância em que as pessoas se olham na altura dos olhos. Não podem fazer isso sozinhos, pois sabem que os humanos ainda precisam dos deuses - embora eles não o sejam. Deixam-se ser observados assim apenas por generosidade. Mas nunca ninguém viu um sorriso mais humano do que aqueles que trocam quando encontram, na sua altura, os olhos de alguém que contempla o vazio com essa mesma intensidade hipotética. Já não precisam mais dos deuses, pois aprenderam a conquistar sozinhos sua própria humanidade. Ou seja, odeiam, respeitam e amam a terra - assim, tudo ao mesmo tempo e numa mesma mirada. Será que isso é possível? Essa é a pergunta na qual vivem dependurados, sempre por um fio. Vista assim de baixo, parece um ponto de interrogação, parece as pernas de um flamingo.
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