30.3.06

a respeito de bananas poesia e neurose

o que me mata a poesia é essa neurose.

hoje à tarde, enquanto trabalhava, uma fome avassaladora me acometeu. meu chefe não estava em casa (sim. tenho um chefe. e trabalho na casa dele). pensei: ou desço e como alguma coisa, ou saio e compro alguma coisa para comer. a segunda opção foi logo descartada. eu teria que deixar a casa sozinha. e a mercearia fica a algumas quadras de distância. enfim, desci e comi uma banana. e, acredite, isso é uma questão. fiquei paranóica, porque não devia ter comido a banana, porque tem uma câmera aqui, porque eu deveria esperar a onça voltar antes de comer a banana. mas sim, eu estava com fome. muita muita. e agora? digo que comi a banana, ou deixo pra lá? deixei pra lá, afinal comer uma banana não é crime dos mais graves. mas voltei pra casa com uma baita indigestão. com aquele desconforto de quem pode ser descoberto a qualquer instante. é essa vigilância silenciosa dos EUA. esse olhar que pune qualquer movimento espontâneo do corpo. essa esquizofrenia.

o que me resta, é inventar a poesia. se é que me dou a essas criações.

21.3.06

Com o rostinho colado na janela do avião o menino grita:

- Mira, papa, Puerto Rico! Linda! Linda!

Uma gargalhada.

- Uau!...

O avião voa raso sobre umas pontes e o mar. Ligeiro. E o menino:

- Hey man, go fast again!
- I am going down the sky!
- ...
- Mira! I see boats, I see places... I see everything over here!
os EUA matam qualquer poesia
ainda bem restam as crianças
e a América Latina!

20.3.06

errata

Paulo Henriques Britto
Para os emissários,
em especial para a senhora, a mensageira e o pescador, beijos meus..

"Acalanto

Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de uma dormida, nos satisfazemos

em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno."

Poeminha de Paulo Henrique Britto (Livro Macau)